Prólogo
A
testa brilhando de suor - porque ela dançou e não foi pouco - faziam
moldura para sorriso misturado com lágrimas, batom vermelho quase
intacto e um exemplar de "Um ônibus do tamanho do mundo" aberto entre
as mãos. Ela apontou para o escrito na primeira página: quando eu conheci Gustavo, ele era um nome num livro, disse.
Carol
marotamente fazia caras, caretas, balancinhos de pés e ombros a la
Betty Page. Posava para fotos, muitas fotos, parecendo confortável no
papel de noiva como se casasse toda semana.
Eu
ali do lado e ela pediu de volta a taça de espumante mas, por mais que
eu tenha me preocupado com o fato da bebida já não estar mais tão
gelada, ela pediu a taça de volta e virou como se fosse whisky cowboy e
fez o copo aterrissar na palma da minha mão. Em um segundo ela não
estava mais lá porque saíra correndo, saltitando ou mesmo flutuando
levando atrás de si um grupo de pessoas que a queriam. Todos a queriam.
Acontece isso: certas pessoas são irresistíveis.
Como tudo começou
A
primeira mensagem que Carol me mandou foi pelo Whatsapp. Era um sábado,
passava de 1 da manhã e chovia muito. Ela resumiu a loucura em poucas
palavras que eram mais ou menos assim: "Oi Prill, sou amiga da Carol Bit
e vou casar em 20 dias". Meio dormindo, meio acordada, meio
amamentando, sem fazer ideia do por que o celular estava na minha mão,
li o que ela escreveu e desmaiei pra somente no dia seguinte sacar que
as mensagens não tinham sido um sonho. Catei novamente o telefone pra
reler e foi apenas aí que a sinapse explodiu: WHADARRÉL? CASAR EM 20 DIAS???
Respirei, cantei Harebo, cantei Enya, tentei keep calm
e respondi pedindo maiores informações sobre o lance. Em 10 minutos já
estávamos trocando áudios bolados e atropelados falando de docinhos, DJ e
vestido como se não houvesse amanhã, mas bem... era domingão, tinha que
ir pra tradicional reunião de família ao redor do frango assado e parti
mas confesso que, apesar de ter desligado o telefone, passei o resto do
dia ruminando aquela história toda de casamento na casa de uns tios, noivo que curtia football americano e ela que era da vaibe poás e Mad Men.
A
ideia da Carol e do Gustavo era suave. Eles tinham planejado um
casamento só no cartório mesmo seguido de um almoço em família com zero
pirotecnias e sem coisas estruturadas. Mas o que esse casal tijucano não
sabia era que o espírito dos casamentos é um espírito mal do Oeste que
se manifesta quando você diz três vezes na frente do espelho:
"vamos só assinar no cartório e fazer um almocinho com a família pra não
passar em branco". Nunca faça isso! Nunca! Eles fizeram e deu no que
deu.
Nos
primórdios de tudo, era pra ser uma reunião de 20 pessoas mas, com o
gentil oferecimento da Tia Neide, que tinha uma casa bacana e era
acostumada a dar festas, dava pra esticar um bocadinho mais a lista né?
Assim como os gremilins se multiplicam numa chuva de verão, a coisa
saltou para 40 pessoas, depois para 80 almas, depois para 120 e aí a
gente chegou naquele ponto em que você precisa ou ter muita coragem ou
não ter nenhum juízo. Ir em frente ou desistir? Mas desistir não era uma
opção porque Carol e Gustavo não são desses e também porque havia muita
coisa familiar em jogo. Então o jeito foi aceitar que eles iam cair, mas
iam cair atirando. Pra pelo menos dar um respiro, a data do casamento
foi passada para alguns dias depois do casamento civil e essa correção
de calendário nos deixava o total de magníficos 40 dias para preparar
tudo ao invés de 20. HMMMMM!!
A
Carol, agora oficialmente bridezilla, correu para ver vestido, sapato,
comida e convites. Eu corri pra conhecer a casa da Tia Neide e
finalmente ter contato direto com aquela moçoila que eu mal conhecia,
mas já considerava pakas.
Nos
encontramos à beira da praia numa tarde cinza de maio. Eu super
nervosa, na maior expectativa por estar saindo de casa pela primeira vez
sem o bebê - tipo, sem ser pra ir na padaria e voltar -e parte de mim
queria saltar do ônibus enquanto a outra metade queria correr louca
pelas ruas gritando me dá cervejaaaaa. Vale deixar registrado que esse momento humano e intenso acontecia no meu peito enquanto o celular
dum cara no ônibus se esgoelava cantando: estou indo embora/ a mala já está lá fora. Essa música. E ela tocou. No repeat. Por 1 hora.
-
Vai ser super fácil me encontrar. Tô com uma camisa preta com um
coração de lantejoula gigante na barriga. Eu tô tipo... saí dos Ursinhos
Carinhosos
Ri
loucamente quando, alguns minutos de trânsito parado depois (obrigada
Barra da Tijuca), lá estava ela com sua indumentária jogando arco-íris
pelos ares e deixando tudo mais maneiro, me esperando na calçada do
condomínio da Tia Neide. Dissemos olá!, nos abraçamos e foi fácil superar
aquele momento esquisito quando a gente não conhece a outra pessoa
porque lá saímos pela rua engatando os mesmos assuntos das mensagens de
texto como se nada tivesse acontecido, como se não tivéssemos acabado de
nos esbarrar no meio da rua. Sim, acho isso muito louco.
Os donos da casa eram
um casal de senhores muito sacudidos e foram super gentis em mostrar
todo o espaço em detalhes enquanto enumeravam o que dava e o que não
dava certo nas festas que rolavam lá. Pouca gente sabe, mas casamentos
em residências tendem a dar mais certo quando o local possui os
seguintes lances:
- espaço suficiente pro número de almas convidadas,
- espaço extra (se você for colocar photobooth, open bar, essas coisas)
- possibilidade de guardar móveis pré-existentes,
- mais de um banheiro,
- principalmente, uma cozinha espaçosa.
A
casa da Tia Neide tinha tudo isso, era um sonho duma noite de verão
mira mira, e só precisávamos de alguns ajustes mínimos pra fazer o
negócio funcionar. É claro, todo mundo que começa achando que vai ser
fácil se ferra né? Não seria diferente com a gente.
Antes do antes acontecer
Carol
conheceu o Gustavo porque tinha o nome dele nos livros dela. Fico
imaginando ela pequena e agitada, sorrindo com aquela boca de coração,
às voltas com objetos que antes tinham sido dele. Livros? Brinquedos?
Mais o que? Quando penso nisso me vem um abismo embaixo dos pés porque
você percebe como o destino, os sonhos e as lutas das pessoas conduzem
todas as histórias. A mãe do Gustavo tinha três meninos e simplesmente
não conseguia resistir a filha única da cabeleireira aparecendo sempre
com um lápis, uma ajuda com o uniforme da escola, um brinquedo novo, um
brinquedo dos filhos. A menina crescia e a mãe da menina, que tinha que
levar a vida sozinha no peito e na raça, podia contar com aquela
madrinha que sempre estava por perto para todo apoio.
Foi
a madrinha quem colocou pressão e incentivo pra prova do Pedro II e,
obviamente, nossa heroína, passou, entrou pro colégio e carimbou seu
ticket to ride rumo a uma vida muito do que qualquer um que olhasse
rápido pra sua história diria que ela poderia ter.
A
escola passou. O vestibular passou. A UERJ chegou e, com ela, aquela
parte zuada em que a gente precisa fazer um estágio. Mas chegar assim no
estágio sem ter noção de nada? Carol precisava de uma força. O filho da
madrinha podia ajudar? Sim! O Gustavo do nome do livro, ele mesmo.
Ficaram super amigos. E foi e era ele. O imponderável decidiu que seria
assim.
Ela
tinha muitas ideias pra decor e rapidamente montamos uma prancha marota
no Pinterest. O problema era que a grana tava curta e precisávamos
tomar algumas decisões sérias para fazer o sonho caber tanto no saldo
bancário quanto no tempo disponível pra quitar tudo.
A
primeira coisa era o serviço. Ao invés de fecharmos Assessoria, Decor e
Cerimonial, a Carol ficou com a parte burocrática do casamento -
aproveitando a experiência que tinha em planejamento de eventos no
trabalho - e eu fiquei com a parte criativa, dando uns pitacos no
fechamento dos serviços na brodagem. A segunda coisa era o aluguel dos
móveis, que comeria a maior parte do budget que a gente tinha.
Pra
otimizar a vida e usar aquela pica a nosso favor, apresentei pra Carol a
ideia de usarmos móveis azul marinho e compor tudo com objetos de cena
vermelhos e listrados p&b, que era uma parada que ela curtia. Assim a
gente, ao invés de investir em cadeiras marrons ou brancas que não
fariam lá muita diferença visual, poderíamos pontuar o cenário com uma
cor vibrante. Ela desconfiou. Eu falei, miga, vem comigo. Ela disse seja
o que Deus quiser. E daí batemos o martelo jogando dourado em cima de
tudo porque dourado é amor.
Fomos defender nossa
paleta no Saara. Tinha que comprar uns itens maneirinhos de composição e
as famigeradas forminhas. Meu deus, a gente andou pra cacete aquele
dia! Tudo culpa minha que cismei com uma loja mas a dita cuja tinha
mudado de endereço :( Sorte master ter a noiva levando tudo na esportiva
enquanto eu pedia um milhão de desculpas. Compramos forminhas, saia
para cupcakes, velas, paradinhas douradas, pompons e mais um monte de
bugiganga. A gente saiu com as lojas fechando atrás da gente, lembra? Falamos pra caralho caminhamos por aqueles becos. Era aparelho de dentes, peitos vazando, boys, profissão, sobre coisas bestas, sobre coisas sérias.
Falamos sobre a morte da sua mãe e da sua avó e você me explicou sua
visão de mundo: uma família de verdade se faz com escolhas diárias para
estar presente na vida do outro e que isso nenhum laço de sangue vai
poder construir. Falamos sobre solidão, sobre drinks e você me fez
sentir saudades de bailes funks da Tijuca em que nunca estive mas que,
tenho certeza, precisava ter estado.
Tudo isso acontecia enquanto, lá fora no mundo real, os táxis ignoravam a gente pulando no meio fio com mil sacolas.
O despertar da força
O
maior problema que tínhamos de enfrentar na montagem da decoração era a
impossibilidade de retirar/mover alguns objetos e móveis da casa que ou
eram muito pesados ou não tinham como ser guardados. Chegamos no dia 25
de abril com uma previsão de 150 convidados e, com a galera toda
confirmando e tals, cada micro pedacinho da casa que a gente perdia era
uma lágrima de sangue que vertia pela minha cara. Para contornar o
drama, escondemos algumas cadeiras atrás de um biombo e trabalhamos com a
ideia de oferecê-las aos convidados caso de fato as 150 almas
comparecessem.
Os
noivos estavam circulando pela casa durante a montagem num clima bem
me-larga-to-de-bouas e foram levando as coisas pessoais que seriam
usadas na decor, lembrancinhas, roupas, docinhos e bolo feitos pela
confeitaria da família do noivo (alô Lecadô! alô coxinha!). Depois de
tudo desovado, Carol rumou pra o local onde se montaria e Gustavo ficou
por lá dando um gás no departamento comes. Foi somente depois de dar uma
relaxada nos afazeres que este nobre senhor olhou ao redor e se
entregou a nobre tarefa de xoxar nossos DIY - eram várias bandeirinhas e
pompons tipo líder de torcida - o que me levou a fazer algumas pequenas
modificações no projeto #denuncia. Sim, Gustavo, eu quis te matar. Mas beleza, sei que você também quis me matar, mas hoje somos BFF me abraça!
Pra
cobrir partes que ficaram meio vazias, o Gustavo acionou os pais pra
que eles levassem mais alguns itens - como quadros, fotos e etc - dele e
da Carol para usarmos na composição.
Show!
Tudo certo! Tudo montado! Corri para me arrumar também e posicionar as
coisas para o cerimonial. Não teríamos cortejo mas, como se tratava de
um casamento doméstico, as pessoas poderiam ficar um pouco confusas
sobre como as coisas ocorreriam. Dei uma acalmada nas crianças e fui
receber a noiva que chegou absolutamente divina, pontual com seu batom
russian red, animadíssima. Mostrei umas fotos de como estavam as coisas e
entreguei o buquê boho de cáspias super delicado feito pela Arajany.
Arranjamos no caule uma fotinha da mãe da Carol e começamos a aguardar
os pais do noivo com os itens mas, como já ficou claro, casamento é ímã
de eventos absurdos aleatórios e daí que nesse mesmo dia em que Carol e
Gustavo uniriam suas vidas em matrimônio, tava rolado APENAS UMA CORRIDA
DE RUA da Nike que fechou todos acessos ao condomínio. Só isso.
Mas
o que são essas questões quando você tem um Arco íris de energia ao seu
lado - e caipirinha, claro? Nada, amigos! Sob as bênçãos do noivo,
liberei o buffet para servir a galera porque geral italiano e ninguém
podia passar fome não. Abastecidos de álcool e amor, todos puderam
esperar confortavelmente a chegada dos pais do noivo. A partir daí, foi
como tinha de ser.
Carol entrou pelo salão lotado. Em slow motion
você via a cara das pessoas de queixo caído porque ela vinha com seu
visual pinup saboreando cada pedacinho do momento sem pressa, com toda a
atenção, deixando transparente para quem quisesse ver seu enorme coração
vulnerável, intenso, paciente. Era cada passo que a Carolina dava para
encontrar um Gustavo que jamais vamos conhecer - porque ele é mistério -
mas a verdade é que, para o que ali estava virando dois, as explicações
para o resto do mundo eram desnecessárias. Do nosso amor a gente é quem sabe.... exatamente isso.
Nos
encontramos novamente no segundo andar da casa e nunca vou poder
esquecer essa cena, esse pedaço de vida que aconteceu. Você chorava.
Alguns amigos seus estavam lá e você os abraçou um a um. E você lembrou
do dia do funeral da sua mãe e de como a casa tinha ficado totalmente
vazia e silenciosa, como você tinha ficado só. Não lembro bem como foi
que terminamos abraçadas também, só consigo falar agora do que senti
naquele momento e a conclusão é que não posso te perder, garota. Não
havia nenhum profissional ali cuidando da noiva naquele momento e quero
que você saiba disso, saiba que aquele abraço foi uma das coisas mais
marcantes que já me aconteceram e o que eu queria era catar pra mim um
pouquinho do seu mundo e dar um pouquinho do meu pra você, com
útero, trapalhadas, áudios gigantes no whatsapp e episódios do Ru Paul.
Leva tudo! Só preciso que você me deixe ficar por aqui te olhando mesmo
que de longe, mesmo que tendo notícias pelas timelines do mundo.
Todo
mundo chorava demais, desesperadamente e ainda bem que o Gustavo tomou
posse do orixá Scarface que lhe caía bem, bateu palmas e gritou VAMOS
PARAR DE CHORAR PORRA! Porque estávamos realmente precisando voltar a
vida, sair do círculo de coisas que ficam se repetindo na nossa cabeça
pra olhar pra frente e andar sem cair. O Gustavo é a pessoa que não
deixa a gente se afogar.
Voltamos para a festa.
Muita comida, muita bebida, muita música, muitas fotos.
A
decor reuniu circus, nerdices, livros, paradinhas geeks, anos 50,
luzinhas, glitter e Star Wars pra todo lado... tudo isso junto por um
único motivo: porque a gente pode.
Lá pelas tantas, os vizinhos
começaram a reclamar do som mas, queridos, ninguém se fez de rogado e
colocamos a festa toda pra dentro. Orquestrados pela noiva - que foi ao
microfone dar a notícia - os convidados afastaram as cadeiras e mesas
que se tornaram completamente inúteis quando começou a tocar Mc
Marcinho.
Teve também aquela parte em que Darth Vader chegou em
pessoa e todo mundo enlouqueceu. E como vamos esquecer do botijão de gás
hélio compartilhado pelos convidados para deixar mensagens de
felicidades aos recém-casados na frente de uma Go-Pro? Pois é.. vocês
estavam todos bêbados mas eu vi tu-di-nho!
A
desmontagem da festa terminou comigo e Carol mortas sobre o super
explorado sofá da Tia Neide. Joaquim mamava, você já estava com o pijama
da Princesa Leia e nós duas conversávamos... sobre o que?
Tínhamos
uma vida em frente pra gente viver e não fazíamos ideia de como ela ia
ser, mas ninguém queria pensar a respeito porque havia muito êxtase e
muito cansaço envolvido.
Foi uma loucura, concorda? Mas fizemos e
foi lindo. Foi, principalmente, subversivo porque teve tanta parada pra
derrubar nossos planos, tantas palavras duras e tão pouco tempo pra
pagar a conta... Mas sinto que rolou um acordo implícito entre nós, de
que faríamos o que tivesse de ser feito e aguardaríamos a desforra, a
zueira sem limites, a Força, o Lets Dance do Bowie.
Escrever
sobre tudo o que passamos naqueles infinitos 40 dias era necessário.
Precisava ficar registrado em algum lugar tudo o que passamos e tudo o
que somos. Existe essa coisa esplêndida que é a forma como lidamos com
os absurdos de vida e de morte presentes em todos os dias. Apostar no
amor e na amizade podem ser coisas que as pessoas falam como um clichê
ridículo, mas uma coisa a gente sabe: existe peso sim, mas existe muita
glória e vida quando a gente é quem a gente quer ser junto de quem a
gente quer estar. Sem reservas, somente escolhas: assim criamos
histórias e laços, assim criamos nosso mundo.
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