Tem esse filme sobre o Freud e o Jung: "Um método Perigoso" que quero muito assistir. Lendo um artigo sobre ele fiquei muito pensativa... a psicanálise é um método perigoso porque quais são os limites reais entre profissional e paciente quando o trabalho só pode acontecer numa troca/diálogo entre as duas partes? Se a cura só acontece numa identificação recíproca? Em algum momento da matéria, o crítico diz algo como: o trabalho psicanalítico possui um alto nível de toxidade.
Aquilo ficou forte na minha cabeça. Não sou psicanalítica, nah nah, mas que tipo de trabalho é esse a que estou me propondo fazer? Entro na intimidade das pessoas, nas suas histórias, seus medos, expectativas. Traições em família, primeiros casamentos que desvaneceram sem que ninguém percebesse, mortes de entes queridos, jovens casais, casais com mais estrada, casais com filhos, noivas com enteados. As histórias desfilam na minha frente e eu me surpreendo de instigá-las. Me surpreendo mais ainda de constatar que, sem um mergulho sincero e aberto nessas histórias e sonhos, meu trabalho perderia o sentido. Minhas histórias e experiências entram na conversa. Sentamos pra uma cerveja e então deixa de ser claro que tipo de relação e esta que estamos estabelecendo.
Não me sinto confortável em ser uma cerimonialista cronômetro: hora do making off, hora do buquê; a coisa do trabalho do dia, que é essencial, sim, mas que me pergunto... como é que eu faria se eu nunca a vi? Se não sei qual o caminho que a trouxe até essa pista de dança onde vai, sei lá, dançar Thriller com esse cara? Então qual é o meu trabalho?
Esses dias falei que tinha virado parteira de casamentos. Acho que, como os partos, os casamentos acontecem por si só e, assim como tá rolando essa campanha de desmeticalização do nascimento (toda mulher está, a princípio, pronta pra parir + gravidez não é primordialmente uma questão médica como uma doença) penso que os casamentos não devem ser 100% entregues a fornecedores como se você e seu rapaz fossem retardados. Olha, eu já vi umas coisas horrorosas e tenho certeza de que muitas de vocês já presenciaram o mesmo: nêgo do buffet roubando docinho, cerimonialista que faz 5 casamentos por semana e - inevitável - vê o seu como um carro na linha de produção, decorador que fala "mesa grande tem que ser ali, faço isso sempre e é o que dá certo".
Eu posso ser apontada de estar me envolvendo de maneira perigosa com meus clientes, mas aí vou exigir que estes caras sejam apontados como profissionais que se alienam plenamente da importância do que estão fazendo pra vida daquelas pessoas.
Penso que a História me dá/deu ferramentas interessantes. Teve um momento da graduação que não aguentei mais ficar pesquisando os crimes envolvendo escravos no século XIX; cada processo era um banho de sangue com corpo de delito e testemunhos super detalhados que contavam as maiores barbaridades e nonsenses a que a condição humana pode chegar. Tive de parar e parei por uns 4 meses. Aquela saída me fez muito bem. Mas não concluí que deveria me afastar deles, eu deveria era me conformar com o fato de ser apaixonada por aquele trabalho e tirar o melhor dos afetos que eles me causavam. Hoje posso jurar por deus que sei o que o escravo Fulano ou Beltrano fez. Acho que temos uma ligação. Os professores ficam revoltados quando falo isso em seminários, mas o que posso fazer. Cerimonialistas, parteiras e historiadores podem acreditar que estão protegidos por uma redoma de profissionalismo, que seus objetos não o afetam, mas, contra os fatos não há argumento: uma troca acontece e ela precisa acontecer. Primeiro porque é inevitável e segundo porque, com essa responsabilidade imensa nas mãos - a de ajudar os noivos a terem um casamento bacana, com um bom andamento - toda informação e compreensão das necessidades daquele casal é indispensável.
Estou cansada pra cacete esses dias. O blog tá abandonado e tal, mas é que são muitas coisas a resolver, pessoas pra ouvir, emails pra responder. Minhas reuniões com as noivas não duram menos de 3 horas. Eu não sei se isso tá certo, só sei que é assim que tá acontecendo e só sei que nunca estive tão profissionalmente plena como agora. Fico até com vergonha disso, sabem. Sei lá, culpa católica, a coisa de que só quem sofre vai pro céu. Chego em casa arrasada, mas satisfeita. Essa proximidade entre mulheres que tenho estabelecido pode ser perigosa, mas ao mesmo tempo é enriquecedora (DINHEIROO!! só que não). O universo feminino é fantástico, nem Freud sabia o que fazer dentro dele, o troço é um buraco negro! Vou me compreendendo como mulher a cada conversa e compreendendo também o meu próprio casamento, ou ao menos refletindo melhor a respeito dele. Agora parando pra pensar sobre esse ponto.. não como uma transação comercial/de serviços normal que o cliente vai lá e escolhe. A escolha tem que ser mútua. Elas me escolhem e eu as escolho. O fator identificação!
Enfim, quero dizer que estou feliz demais com tudo isso, por vocês estarem por aí acreditando que algo diferente do estupro de preços dos forneceres pode rolar, por acreditarem que casamento é doidamente muito mais do que festa, por acreditarem que naquele dia do pleito e pra sempre, o que tem que rolar é uma vida ao jeito de vocês, um romance onde vocês fazem as regras de acordo com o que a vida vai apresentando. Não tem regra pra felicidade, afinal.
Vou lá que preciso comprar papel amarelo pra fazer o acabamento do convite da Arajany, depois tenho somente 70 provas pra corrigir (professor: outra profissão dialética e dangerosa!). Tentarei não ficar tanto tempo em silêncio, mas, olhem, num contexto em que estou virando o Monteiro Lobato porque nem pra sobrancelha ta dando.... reflitam!
imagem: http://alternativechronicle.wordpress.com/2012/02/12/a-dangerous-method/
Aquilo ficou forte na minha cabeça. Não sou psicanalítica, nah nah, mas que tipo de trabalho é esse a que estou me propondo fazer? Entro na intimidade das pessoas, nas suas histórias, seus medos, expectativas. Traições em família, primeiros casamentos que desvaneceram sem que ninguém percebesse, mortes de entes queridos, jovens casais, casais com mais estrada, casais com filhos, noivas com enteados. As histórias desfilam na minha frente e eu me surpreendo de instigá-las. Me surpreendo mais ainda de constatar que, sem um mergulho sincero e aberto nessas histórias e sonhos, meu trabalho perderia o sentido. Minhas histórias e experiências entram na conversa. Sentamos pra uma cerveja e então deixa de ser claro que tipo de relação e esta que estamos estabelecendo.
Não me sinto confortável em ser uma cerimonialista cronômetro: hora do making off, hora do buquê; a coisa do trabalho do dia, que é essencial, sim, mas que me pergunto... como é que eu faria se eu nunca a vi? Se não sei qual o caminho que a trouxe até essa pista de dança onde vai, sei lá, dançar Thriller com esse cara? Então qual é o meu trabalho?
Esses dias falei que tinha virado parteira de casamentos. Acho que, como os partos, os casamentos acontecem por si só e, assim como tá rolando essa campanha de desmeticalização do nascimento (toda mulher está, a princípio, pronta pra parir + gravidez não é primordialmente uma questão médica como uma doença) penso que os casamentos não devem ser 100% entregues a fornecedores como se você e seu rapaz fossem retardados. Olha, eu já vi umas coisas horrorosas e tenho certeza de que muitas de vocês já presenciaram o mesmo: nêgo do buffet roubando docinho, cerimonialista que faz 5 casamentos por semana e - inevitável - vê o seu como um carro na linha de produção, decorador que fala "mesa grande tem que ser ali, faço isso sempre e é o que dá certo".
Eu posso ser apontada de estar me envolvendo de maneira perigosa com meus clientes, mas aí vou exigir que estes caras sejam apontados como profissionais que se alienam plenamente da importância do que estão fazendo pra vida daquelas pessoas.
Penso que a História me dá/deu ferramentas interessantes. Teve um momento da graduação que não aguentei mais ficar pesquisando os crimes envolvendo escravos no século XIX; cada processo era um banho de sangue com corpo de delito e testemunhos super detalhados que contavam as maiores barbaridades e nonsenses a que a condição humana pode chegar. Tive de parar e parei por uns 4 meses. Aquela saída me fez muito bem. Mas não concluí que deveria me afastar deles, eu deveria era me conformar com o fato de ser apaixonada por aquele trabalho e tirar o melhor dos afetos que eles me causavam. Hoje posso jurar por deus que sei o que o escravo Fulano ou Beltrano fez. Acho que temos uma ligação. Os professores ficam revoltados quando falo isso em seminários, mas o que posso fazer. Cerimonialistas, parteiras e historiadores podem acreditar que estão protegidos por uma redoma de profissionalismo, que seus objetos não o afetam, mas, contra os fatos não há argumento: uma troca acontece e ela precisa acontecer. Primeiro porque é inevitável e segundo porque, com essa responsabilidade imensa nas mãos - a de ajudar os noivos a terem um casamento bacana, com um bom andamento - toda informação e compreensão das necessidades daquele casal é indispensável.
Estou cansada pra cacete esses dias. O blog tá abandonado e tal, mas é que são muitas coisas a resolver, pessoas pra ouvir, emails pra responder. Minhas reuniões com as noivas não duram menos de 3 horas. Eu não sei se isso tá certo, só sei que é assim que tá acontecendo e só sei que nunca estive tão profissionalmente plena como agora. Fico até com vergonha disso, sabem. Sei lá, culpa católica, a coisa de que só quem sofre vai pro céu. Chego em casa arrasada, mas satisfeita. Essa proximidade entre mulheres que tenho estabelecido pode ser perigosa, mas ao mesmo tempo é enriquecedora (DINHEIROO!! só que não). O universo feminino é fantástico, nem Freud sabia o que fazer dentro dele, o troço é um buraco negro! Vou me compreendendo como mulher a cada conversa e compreendendo também o meu próprio casamento, ou ao menos refletindo melhor a respeito dele. Agora parando pra pensar sobre esse ponto.. não como uma transação comercial/de serviços normal que o cliente vai lá e escolhe. A escolha tem que ser mútua. Elas me escolhem e eu as escolho. O fator identificação!
Enfim, quero dizer que estou feliz demais com tudo isso, por vocês estarem por aí acreditando que algo diferente do estupro de preços dos forneceres pode rolar, por acreditarem que casamento é doidamente muito mais do que festa, por acreditarem que naquele dia do pleito e pra sempre, o que tem que rolar é uma vida ao jeito de vocês, um romance onde vocês fazem as regras de acordo com o que a vida vai apresentando. Não tem regra pra felicidade, afinal.
Vou lá que preciso comprar papel amarelo pra fazer o acabamento do convite da Arajany, depois tenho somente 70 provas pra corrigir (professor: outra profissão dialética e dangerosa!). Tentarei não ficar tanto tempo em silêncio, mas, olhem, num contexto em que estou virando o Monteiro Lobato porque nem pra sobrancelha ta dando.... reflitam!
imagem: http://alternativechronicle.wordpress.com/2012/02/12/a-dangerous-method/
5 comentários:
Prill, um texto que é uma catarse!
Adoro!!!
Bjs,
Lu
Bom seria se todos que prestam assessoria de casamento resolvessem se envolver com os noivos! Eu concordo contigo, como vou fazer algo por ela se não sei como a noiva conheceu o cara? Sortudas são as noivas do RJ que tem vc aí pertinho! =D
Isso acontece também na fotografia!
Já deixei escapar para alguns casais (que insistiam em comparar preços e pacotes) que eu não sou vendedor de pacote, nem de papel! Atendo com exclusividade no dia! Vendo meu olhar, minha técnica! Eu faço a reunião (que também dura horas!), fotografo o prewedding, estúdio, trash the dress, diagramo o álbum... Quando chega o dia "D", fotografarei o casamento de amigos! Pois é impossível não me envolver com os noivos, conhecendo um pouco de suas histórias, o resultado é que tudo flui naturalmente.
Diferente de "grandes" empresas que funcionam como linhas de produção! Os noivos conhecem o fotógrafo freelance na igreja! Se não rolar identificação, não forem com a cara um do outro (que não é dificil de acontecer), não tem opção!
Inclusive já levei noivos para casa depois do casamento (os pais levaram o carro antes), entreguei o vestido da noiva para os noivos curtirem a lua-de-mel sem preocupações! Até o estilista se surpreendeu (rs)! Aí questionei a ele se algum grande estúdio já tinha feito isso! Adivinhem a resposta!?
Parabéns pelo texto!
DanielJr.com.br
Depois de nove anos trabalhando como cerimonialista as minhas reuniões com noiva ainda duram umas três horas! rs É cansativo no fim do dia, não sobrou tempo para lavar a louça.... Mas é o amor pela profissão, pelo assunto! Dinheiro, bom nem tanto, as vezes fico mais com pena das noivas (que estão gastando horrores!) do que da minha própria conta bancária. Claro que já me decepcionei, já fiquei horas em reunião, já resolvi pepinos e no final não recebi nem o pagamento, quanto mais um "obrigada" mas todas as profissões têm seus prós e seus contras... O importante de tudo é estar feliz! Mas arruma um tempinho para lavar a louça! Depois de uma semana o negócio começa a ficar feio! rs
Fico feliz que realmente algo diferente esteja acontecendo, pois me decepciono muito com a maioria dos cerimonialistas que conheço. A maioria que fazer o padrão, pois já sabe quais serão os forncedores e querem aplicar a mesma fórmula a todos os casais. Bjos.
Postar um comentário