segunda-feira, 29 de abril de 2013

Fátima e Rene: apenas um casamento com churrasco no sítio da tia Amélia

É engraçado como, com todo seu passado glorioso, Tinguá não seja um dos principais bairros do Rio de Janeiro, que não tenham lhe feito um sambinha, um chorinho. Quem olha pras casas sem reboco ou pros ônibus maltratados pelo rally Dakar diário - ponto importante: os ônibus de Tinguá trafegam com tamanha gentileza que, ao deparar com um cão se coçando no meio da estrada, não buzinam nem se desesperam, mas apenas desviam no maior amor - não imagina que aquele bairro construído no meio da Mata Atlântica já foi parte do centro nervoso do comércio do Império, local da primeira linha de trens do Rio de Janeiro construída na época em que uhuuNova Iguaçu ainda atendia pelo nome Vila de Iguassú.

A gente parou com o carro na frente do sítio. Eu olhei pro GPS e depois pro mapa totalmente louco feito pela Fatinha pra explicar aos convidados como chegar ao local do casamento. Rafael ficou ainda com as mãos no volante. Sei lá, em choque. Era a primeira vez na vida que guiava um carro na estrada:
- E aí, o mapa bate? A galera vai conseguir chegar?
- Bem... se ninguém for parar em São Paulo por engano, chega sim.

Eu não tinha a menor ideia de onde estava me metendo quando, em janeiro de 2012, recebi um email da noiva entitulado "Casamento em Tinguá" e pensar nisso agora, pensando no almoço que marcamos pra esse domingo, é realmente engraçado. Eu me apaixonaria pela Fátima e pelo Rene. Ficaríamos às 3 da manhã - tudo, menos sóbrios - procurando um táxi na Lapa que aceitasse cartão de débito, comeríamos arroz com Lula num Nova Capela deserto, ficaria esmurrando a porta fechada da loja de tecidos com a Fatinha jurando pro segurança que a gente já sabia qual renda comprar, começaria a chamar a Cerveja St. Gallen de Cerveja Ivete Sangalo, passaria a madrugada fazendo pompons de lã e, obviamente, me juntaria ao seleto grupo de pessoas que descobriu que Tinguá é um lugar mágico.

Mas antes de tudo isso, só o que havia era o email de uma noiva pedindo orçamento. A gente não imagina aonde certas coisas podem nos levar...

A Fátima tinha se identificado com o casamento da Arajany. Pra mim, aquilo só existia no mundo da imaginação, ela disse. Uma celebração que reunisse os amigos e a família, sem gueri gueri, com cerveja e comida, era  o que procuravam. 
Quis saber um pouco sobre os dois. Era ela historiadora e ele um mix de fotógrafo com estudante de filosofia. Tá brincando?! A gente aqui em casa também! E como se conheceram? 
Maria de Fátima e Rene tinham se conhecido na escola há 12 anos atrás. Não, esqueçam tudo o que vocês conhecem sobre casais que se conheceram na escola. Eles se conheceram assim ó:
 
Em 2000 fui chamada pelo Estado e assumi como professora em Queimados. No primeiro dia de aula, pernas tremendo, fui me apresentar na secretaria, quando vi alguém me comendo com os olhos, perguntando se eu era aluna. Não, é professora. Responderam, e de Vila Isabel.
-Terra de Noel, disse o lobo mau.
E eu pensando: nossa alguém que conhece Noel Rosa! O lobo mau se apresentou como aluno do 2 ano.
- Será que vc vai ser minha professora?
- Não, sou professora do 1 ano.
- Ah que pena!
Ao longo do ano... cantadas e mais cantadas e ampla resistência da professora. Até que no dia do Conselho de Classe, em dezembro, quando a ética permitiria...

A narrativa deliciosa ficou na minha cabeça nos dias que se seguiram  e me faziam rir sozinha. Aquele casal era um encanto! Marcamos reunião pra semana seguinte no árabe da Cinelândia que se tornaria nosso QG afetivo.


 



Pra variar, eu nervosa till the bone, apavorada com a responsa de organizar a celebração daquelas duas pessoas que já estavam casadas há mais de uma década, com suas histórias passadas e trajetória em comum que, do alto dos meus quase 3 anos de união, só posso imaginar vagamente o que seja. Mas aí, qual não é minha surpresa, quando em 10 minutos de conversa pergunto - seguindo meu roteirinho - se eles vão ter daminha?:
- Que daminha, Fatima?? - pergunta o Rene com aquele jeito enérgico de criança que sempre vai parar na sala da diretora. Na verdade ele já tinha chegado anunciando que infelizmente não poderia beber porque estava tomando uns remédios, resolução que em poucos minutos jazia esquecida junto à quarta tulipa de chopp, pedidos em meio à muita manha: não vai fazer mal, né? só um pouquinho.
- Daminha, a criança que entra antes da noiva
- Ah não, Fátima!! Não quero nada de Erê entrando no meu casamento não! Eu hein!
Aquele cara moreno, fortão, tatuado, leitor de Walter Benjamin, malzão...QUE FACHADA! Contra toda compostura, cuspi o chopp e quase me afoguei de tanto rir.

O plano era fazer uma celebração alegre, simples e despojada. Amigos, família, cerveja e comida. Talvez um churrasco no sítio da portuguesíssima tia Amélia lá em Tinguá. Um almoço à sombra da mangueira (isso se não chover!; ela pontuou) com o povo dançando o vira. 

Churrasco de casamento é uma ideia polêmica e complicada de viabilizar. A gente tem que ter o maior cuidado pra coisa não ficar parecendo que é confraternização da firma na piscina do prédio e pra fumaça não tomar conta de tudo. E ainda numa residência lá nas lonjuras! 
Montar um casamento em casa apresenta dificuldades imensas de logística. Em primeiro lugar, nem toda residência, por maior que seja, oferece espaço viável de cozinha de modo a comportar o buffet sem colocar o espaço original de pernas pro ar ou, no mínimo, invadir a privacidade dos donos da casa. Também a refrigeração é importante: ao menos duas geladeiras precisam estar à disposição. O espaço pra acomodar os convidados é outro quesito mínimo. O casamentos faca na caveira ALERT! começou a soar. É... a coisa ia ser bem divertida.

Em casa, escrevi pra Roberta Araújo já passando toda a fita. Grau de dificuldade: HARD. Teríamos de transformar um sítio familiar em casa de festas, um churrasco num almoço fofo e revelar à capelinha da praça que ela tinha o maior potencial pra fofura. Louca de pedra, ela topou. Fomos alguns meses depois conhecer o local. A Fátima toda preocupada, achando que era tudo simples demais, que não daria ai gente, será que é muito feio? To com medo de vocês não gostarem.
Broder, tinham que ter filmado eu e a Roberta chegando lá! A gente pirou com o sítio, com os móveis da tia Amélia, com os objetos, com as toalhas de crochê, com as uvas na videira, com a plantação de hortências. Se a gente gostou?? De tão histérica que ficou, a Roberta montou o pré projeto em 3 horas!! Bora comprar os itens e alugar os móveis!

Com a decoração decidida, partimos pras outras grandes decisões: marcar com a igreja, contratar fotografia, pensar nos docinhos e bolo e... o vestido! Como o Rene já havia decretado que a Fátima seria uma ninfa, fui bater na porta da Gorete, a costureira Galadriel.
Após buscarmos 148349123 de referências encontramos na interwebs um casamento incrível com uma noiva incrível e decidimos fazer cosplay da mona. O visual da noiva saiu todo da nossa cabeça! Chamamos a Ju Sales, especialista em makes naturebas, decidimos o cabelo, roubamos uma guirlanda de Natal na porta da vizinha da Gorete e voilá!

Nesse ínterim, estávamos à cata de um fotógrafo. Vimos mil pessoas, mil orçamentos, mas ficava pensando nos dois, em Tinguá, no churras e só o que me vinha a mente era achar alguém que pudesse dar conta do inusitado. Nada de fotógrafo de noivinhos, tinha que ser alguém com o olhar antropológico, que pudesse dar conta de registrar aquela coisa toda louca e não-convencional que estávamos construindo. Esse cara era obviamente o Nathan Thrall, por quem eu vinha nutrindo um amor fotógráfico platônico. Perguntei: cara, você topa? E ele respondeu com 1. abrindo a agenda e o coração, 2. onde fica Tinguá??? e 3. vamos com tudo! Fiquei tipo.. Sério?!? Primeira reunião lá no Teles, todos se conheceram (até a  musa do cara, a Flora Mochel, também foi! <3), todos se amaram, Rene pediu uma cachaça mineira pra comemorar o encontro, o contrato, o amor, o dinheiro que teria de pagar ao Nathan (hahahaha) e todo o resto. Mais um item se resolvia e eu pensei antes do primeiro gole de Salinas que não havia nada como noivos calmos e um checklist a ser seguido.

Meses depois, há poucas semanas do casamento, num corre corre dramático pra aprontar os convites (esse assunto merece uma postagem à parte! arte comprada no Etsy pra imprimir em casa, mas quem disse que a impressora imprimia? Como o Rafa costuma dizer: convite sempre dá merda), eu e Fatinha sentamos no bar do Telles de sempre e cortamos todas as tags, tudo o necessário (tentamos guilhotinar, mas, quer saber... mais divertido cortar). Conversamos sobre as coisas da vida, sobre nossas criações católicas, sobre o trabalho dela na Biblioteca Nacional, sobre casamento. Não sobre festa ou fitinha de bem casados. Conta aí qual é o truque de 12 anos ao lado de alguém: a gente já passou por muita coisa, eu já quis enforcar o Rene, mas depois de tantas dificuldades eu acho que chegou um momento em que a gente simplesmente fica mais calmo. Ali naquele momento eu senti uma saudade imensa de tudo que tínhamos vivido naquele último ano. Fiquei puta porque, por mais que a gente continue em contato com a pessoa, não é mais como antes. Sem o compromisso da assessoria entramos naquela coisa carioca do "vamos marcar"  mas os mil compromissos da vida costumam sacanear e nos desencontrar e eu não queria perdê-la.
Nos despedimos na praça XV com um abraço e a Fátima me falou uma coisa bonita que seria babaquice publicar mas que me fez ir chorando nas barcas.

A previsão do tempo era de chuva para Nova Iguaçu. Entrei no Inmet, li estudos geológicos. Tudo indicava que a cadeia de morros de Tinguá impediriam o tempo ruim de atingir o sítio das Hortências. Me apeguei a santos, Fátima fez o mesmo. Numa decisão irresponsável e kamikase, decidimos não alugar mais a cobertura que planejávamos. Era muita grana e corria o risco de descaracterizar totalmente o churrasco com sambinha embaixo da mangueira. Cada um assumiu seu risco.

Na sexta, passei mal. Piriri. Preciso francamente parar de passar mal no dia anterior aos casamentos! Fico igual o Eminem antes de subir ao palco! Bagulho doido. Mil stresses. Tínhamos programado de ir todos pra Tinguá no dia anterior, mas uma confusão logística e contingente nos obrigou a reorganizar tudo. Engarrafamento na Dutra. Quermesse em Miguel Couto. Pensei em chegarmos no sítio às 4 da tarde e chegamos, noivos e equipes às nove da noite! Felizmente um super jantar da tia Amélia nos esperava lyndo.... mas nove da noite!! A pobrezinha da Erika se perdeu no caminho com as flores (quem não se perdeu levanta a mão!) e só conseguiu aparecer lá pelas onze horas.
 Todos comidos e achados, expus a missão: fazer cerca de 20m de varal de crepom + todas as flores que dessem conta de colorir o verde do sítio da tia Amélia + sonhar com um dia de sol.

O dia amanheceu com uma neblina danada e a água do chuveiro, vinda direto da serra, tava de congelar os ossos. Mais tarde, quando o calor atingisse 45 graus, eu me arrependeria de ter reclamado daquela ducha abençoada. 

Pela manhã, graças ao esforço conjunto, as mesas estavam dispostas, as flores em fim de aprontação, o galo cantando e a noiva já encaminhada pro make&hair. Tudo aconteceu muito rápido e não consigo me lembrar dos detalhes. Sei que, de repente, estava na missa do casamento! E aquele abafado, todo mundo se abanando com os leques da Fatinha e os dois lindos lindos lindos lá na frente! Tudo magicamente rolando do jeito que a gente tinha sonhado todo aquele tempo. Flores nos bancos, o vestido de ninfa, o Rene cabendo confortavelmente no blazer de linho (salvo pelo ajuste da Gorete!!). O padre nervoso - era seu primeiro casamento - esqueceu as alianças e tivemos de ficar pulando lá da porta da igreja pra ele lembrar de chamar o pajem.
Mazel tov!!! Casaram!!
Na saída o padre foi abduzido e convocado pra comemoração. Super feliz, arranjou logo uma carona e fomos todos pro sítio, bem pertinho dali.

Entrei, feliz, em estado de graça. Foi aí que a Ana Pads me puxou pelo braço arrastando prum canto e deu a sentença: Broder, cabo a mesa do bolo! Deu ruim! As abelhas atacaram!
Não conseguia processar. Como assim? O que seria tal coisa chamada abelha?
Fui até a mesa do bolo+doces e me deparei com uma cena hitchcockiana: um milhar de abelhas disputavam no tapa um milímetro de proximidade com flores e docinhos. Sem pensar, a tia da Fátima, que tinha ajudado a fazer o bolo, pegou-o pelo braço, fechou os olhos e eu fui de cão guia até a geladeira mais próxima. Tiramos tudo de lá rapidamente. O Rafa, com sua sabedoria de índio velho, identificou a colmeia e a espécie. Não faria mal a ninguém, mas ia encher o saco.

Não vou mentir pra vocês: foi foda. Foi frustrante. Mas the show must go on e tratamos de remanejar as coisas todas junto com a Roberta. Cobrimos os doces com aquelas redinhas brancas e finalmente se pôde focar no restante da festa, fazer o que era realmente importante: colocar um lacinho no pescoço da cadela Sem Nome.

Nem o calor absurdo nem todas as outras coisas tensas que rolaram no dia - que, por motivo de força maior, vou ignorar solenemente - atrapalharam aquele dia e aquela celebração tão ansiada. Os dois estavam incrivelmente lindos e alegres! A Fatinha com sua guirlanda, o Rene com os pés na terra. E o que era o chapéu da tia Amélia? Pra coroar, todos dançaram o vira. 

Certa vez uma velhinha me disse que se o simples fosse fácil já tinham inventado outro parabéns pra você. O mais simples, o desejo mais frugal e desapegado vai ser sempre o mais difícil de ser alcançado com esforço porque ele não pode ser planejado nem forçado a acontecer. A gente tem que se entregar ao caos pra receber a dádiva do simples, pra encontrar o pedido perfeito do Papai Noel esperando pela gente no pé da árvore. Fico vendo essas fotos lindas e rolando esse texto imenso que escrevi (será que alguém vai ler até o final?) e só consigo pensar nisso: que foi o casamento mais difícil que já fiz simplesmente porque sou tão devotada aos noivos e tão perdidamente apaixonada por eles, pela dádiva que dividiram comigo através de seus desejos simples e mágicos que a coisa toda acabou virando uma prova de fogo onde aprendi demais e intensamente. Nunca quero que aquela tarde acabe e eu a visito na minha cabeça de vez em quando esperando ansiosamente a próxima vez em que vou vê-los e me apaixonar novamente pela história e pela amizade que, simples e mágica, nos aconteceu. 

OS ENVOLVIDOS
Local da Cerimônia: Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Tinguá | Local da Festa: Sítio das Hortênsias | Vestido: Gorete costureira | Tecidos do vestido: Casa Assuf e Casas Pinto
 | Guirlanda: Prill (a base de cipó foi do Etsy) | Maquiagem e cabelo: Ju Sales Make Up
Assessorios da Noiva: Monte Carlo Joias | 
Roupa do noivo: blazer da Siberian + calça da Richards | 
Lista de Presentes: Ponto Frio, Etna + Tok&Stok | Site dos noivos: Wix (layout: Prill)
Convites: arte comprada no Etsy e impresso em casa + DIY coletivo da família do Rafa
 DJ: Rodrigo | Flores: Jolly Eventos | Buquê: Jolly Eventos + Prill (acabamento)
Mobiliário: Mineirart + Tia da noiva | Bolo, bem-casados e doces: família  da noiva
Decoração: Roberta Araújo Eventos com colaboração de Vou Casar e Panz |
Assessoria e Cerimonial: Vou Casar e Panz
Equipe Vou Casar e Panz: Ana Pads e Ju Sales
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