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As outras pretas que me perdoem, mas Arajany é fundamental |
Qualquer coisa estranha está por aí conduzindo a vida das pessoas. Há 4, três anos, quem é que podia me dizer que, ao invés de estar aplicada num doutorado e afogada nos papéis centenários sobre a escravidão no Brasil Império, eu estaria no Méier montando um véu com os olhos passando da noiva pros desenhos do Debret. Uma ideia louca, eu ainda não sei como nem porque a Arajany achou que fazia todo sentido.
A gente se conheceu numa noite entre a Rua do Ouvidor e a Rio Branco. Chovia e cês sabem que o Rio quando chove se torna uma cidade maravilhosa pra gente passear, só que não. A van me deixou lá na puta que pariu na Central, mas, beleza, vamos andar até a Praça XV de salto alto? Fiquei na calçada procurando o sinal do céu que ia trazer uma preta de cabelão Thaís Araújo e aí ela apareceu preu morrer de inveja.
Finquei escritório no sebo/cafeteria/boteco onde costumo atender as meninas, pus a papelada necessária em cima da mesa e mandei a pergunta mais importante da noite:
- Vem cá, teu nome é Arajany por causa de que?
Mas fui surpreendida, ela foi e respondeu com uma pergunta ainda mais importante no meio daquela noite abafada do cacete:
- Vem cá, tá permitido pedir uma cerveja?
Foi assim que a conheci, naquele dia junto ao mar e, desde então, eu sei lá, tô presa em algum encanto e já não consigo imaginar minha vida sem o encanto, graça e amizade dessa menina; minha vida fora da vida dela, fora da sua história. Qualquer coisa estranha está por aí conduzindo esse Braziu.
Depois, quando saírem as fotos do casamento pra valer, eu paro pra explicar direito como é que foi que um uma recepção com crepes em Belford Roxo se transformou numa roda de samba com pastel de feijoada no Morro da Conceição. Por hora, queria falar aí desse making of.
Cara, eu ando dizendo pra todo mundo que não me interessa trabalhar com casamento normal, com tudo certinho. Eu gosto é do abacaxi, do complicado, do gasto. É por isso que me deleitei arrancando os cabelos pra descobrir onde é que a noiva ia poder se arrumar.
Cês foram recentemente na Sacadura Cabral? Pois não percam tempo! A rua está toda escavada, cercada com uma rede laranja de obras e fitas de NÃO ULTRAPASSE da Defesa Civil e, se debruçando nelas, você vai poder admirar as pedras de praia que pertenciam ao recifes da Baía da Guanabara quando o mar ia até lá. É lindo! Lindo! Só que a porra da rua tá toda quebrada, poeirenta, pedregosa, tá o inferno broder! O que eu queria dizer é que 1. não tinha onde a noiva se arrumar, 2. não tinha como a noiva chegar lá de carro e 3. íamos fazer um casamento no meio da rua pedindo dá licença pros pedreiros.

Foi no dia em que a gente resolveu ir lá ensaiar a descida
da Arajany na Pedra do Sal (14cm de salto agulha) que rolou essa
constatação de que as obras tinham quebrado parte do Morro e emplodido
parte da rua por onde ela chegaria/entraria. Nos olhamos desoladas.
Mentira, ela me olhou com cara de "vou matar você, sua desgraçada!" e eu a
olhei com cara de ¯\_(ツ)_/¯
Mas, não mais que de
repente, eis que surgiu um Oasis, um Elvis Presley na nossa frente: o Atelier Bordado Carioca. Sim! Ali haveria uma mulher de bom coração que
cedesse rapidinho ali uma sala, um lavabo pra pobrezinha da noiva se
vestir. Bati na casa da Dora interrompendo a novela e já despejando o
problema seguido de mil pelo amor de deus e ela, sabe, super tranquila:
mas, gente, tá um pouco bagunçado lá!
Segui-a até o atelier na
Rua Jôgo da Bola (com acento!) e fui apresentada aos trabalhos das
meninas apontando quero isso, isso aqui também e esse passador de
galinhas... O lugar era uma doçura! Cara, já tava tudo muito bom, muito
incrível quando fui conhecer o subsolo da casa construído nos idos mil
oitocentos e minha tataravó dança jongo, com tijolos maciços, alçapões e
todo o ordenamento dos cômodos mantidos originais. O cheiro de século
dezenove, o peso do ar. Tinha que ser ali!
A Dora foi muito mais do que "a moça dona do Atelier", foi uma anfitriã delicada e atenciosa, a pessoa certa no lugar certo, foi aquilo que passa na nossa cabeça quando imaginamos bordadeiras e paninhos de prato de patchwork. Acalmou a noiva nos momentos de aflição que se formaram na 1h de atraso do casamento, arranjou uma cervejinha, acolheu os meninos da filmagem e da foto. Te agradeço imensamente, Dora! Acho que todas nós vamos querer conhecer seu espaço e suas artes!
Buenas, então foi isso. Durante 3 horas o Atelier Bordado Carioca foi invadido por levas de gente histérica, gente talentosa, equipe de cerimonial mambembe e outros bichos. A Gorete vestiu a noiva e montou na hora o arranjo de cabelo que tínhamos projetado dias antes (porque Gorete é ídala), a Ju Sales aplicou o make, contou piadas e mentiras piedosas enquanto eu, desesperada, tentava fazer o painel da mesa de doces colar numa parede tombada pelo IPHAN. Plus: ao meu lado, o noivo fazia seu making of cercado por seus amigos negões sem camisa. Apenas isso.
Fabio Moro registrou com seu olhar antropológico o que foi essa manhã/tarde preparada pelo destino, pelos deuses, pelos orixás e por quem mais que esteja controlando essa maluquice toda. Ao som de Mallu Magalhães, o slide show a la S. Salgado.